O que dizer sobre as meias verdades que insistem se tornarem inteiramente verdades?
O que dizer sobre o silêncio que se instala entre uma questão e outra?
Alheia, observo o mundo lá fora;
pessoas transitando, se esbarrando, se desculpando, nem se olhando.
Alguém aumentou o volume do som dos sapatos que apressados pisoteavam o asfalto sinalizando a "magnifica" urbanização.
Ainda posso ouvir a música aqui dentro.
Pés descalços não fazem barulho.
Fazem melodias.
É notória a música que toca quando pés descalços abraçam os gramados perdidos na selva de pedras.
Os pássaros voando entre os arranha-céus cheios de nostalgia da época em que esses obstáculos cinzentos, eram copas de enormes arvores onde construíam seus ninhos.
Alguém passou por uma garotinha, não a enxergou e ela não se incomodou. Acreditou no poder de sua capa da invisibilidade e seguiu tranquila.
É uma garotinha lindamente negra, que usa todos os dias a mesma pele, a mesma capa que os pais lhe deram ao nascer, (para se proteger na selva). Curiosamente seus passos não faziam barulho entre os demais passos dos quais ela se desviava para não ter marcas, não ser pisoteada como o asfalto.
Seu som era diferente dos sons que vibravam lá fora.
Era o silêncio do misterioso invisível.
Nem os carros notavam a sua presença,
exceto aquela viatura policial que reduziu a velocidade enquanto por ela passava.
De repente ela se abaixou para pegar a capa da invisibilidade que havia caído por milésimos segundos, jogou-a sobre os ombros e o silêncio permaneceu enquanto ela seguiu seu destino.
Alheia, observo as luzes se acendendo, iluminando a cidade.
Vejo pessoas sorrindo, embriagando-se de vida e de morte.
Agora os sons mais altos são de risos e vozes.
As músicas tocam em diferentes estilos e ambientes.
Vejo novamente a garotinha passando, sorrindo de encontro a outras pessoas que usam a mesma roupa.
Ela continua a usar sua capa, mas agora sorri e emite sons, seu timbre atrai uma quantidade considerável de pessoas.
Há algo diferente; a força de sua voz diminui a
invisibilidade da capa preta que a envolve.
Hoje ela faz silêncio quando quer, mas quando necessário sabe fazer ecoar sua voz, exigindo ser ouvida com ousadia se desejar.
Ela é de fato uma garotinha incrivelmente sagaz e lindamente negra, falandosobre meias verdades que insistem serem verdades inteiras!
Mayara Bragança